• Quando a memória apaga: dores e desafios de quem cuida de um parente com Alzheimer

    Quando o avô de Ana Paula Silva, de 27 anos, olhou para ela e não a reconheceu, o mundo pareceu desabar.

    É como vê-lo indo embora aos poucos, mesmo estando aqui. A gente conversa, ele sorri, mas, de repente, me olha como se eu fosse uma estranha. É uma dor que não tem explicação”, desabafa. O medo de deixá-lo sozinho é constante. “Se preciso sair, fico desesperada. Ele já esqueceu o fogão aceso, já tentou sair de casa de madrugada. É como cuidar de uma criança, só que é o meu avô, o homem que sempre cuidou de mim”, conta, emocionada.

    O diagnóstico de Alzheimer veio há poucos meses, mas os sinais já se insinuavam muito antes. “No começo achei que fosse apenas esquecimento da idade. Mas, quando ele começou a se perder dentro de casa, entendi que era algo mais sério”, relembra Ana. A rotina, desde então, mudou completamente: ela reorganizou os horários de trabalho para acompanhar as consultas, a medicação e cada detalhe do dia a dia do avô.

    A história de Ana é a realidade de milhões de famílias no Brasil. O Relatório Mundial de Alzheimer 2024, elaborado pela Alzheimer’s Disease International (ADI) em parceria com a London School of Economics and Political Science (LSE), revela que mais de 55 milhões de pessoas convivem com algum tipo de demência no mundo. No Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas tenham a doença, número que pode triplicar até 2050.Em 2024, entrou em vigor a Lei nº 14.878, que institui a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Alzheimer e outras demências, garantindo apoio aos cuidadores e incentivando o diagnóstico precoce. Estima-se que, no Brasil, cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem com algum tipo de demência, com 100 mil novos casos por ano. Mulheres são mais afetadas, e fatores como hipertensão, diabetes e sedentarismo aumentam o risco.

    ESQUECIMENTOS

    Apesar desses dados, 80% da população ainda acredita, equivocadamente, que a perda de memória é apenas um efeito natural do envelhecimento. Mas o Alzheimer é uma condição médica grave, que exige diagnóstico e acompanhamento. “Esquecimento de fatos recentes que se tornam progressivos e repetidos, como dificuldade em guardar um recado ou em se localizar na rua, merecem avaliação médica precoce”, alerta o neurologista da Hapvida, Luciano Lobão Salim Coelho.

    Ele reforça que lapsos ocasionais, como esquecer onde estão os óculos, por exemplo, são comuns, mas a atenção deve ser redobrada quando há prejuízo em atividades simples. “O que preocupa é quando o esquecimento passa a comprometer tarefas do cotidiano, como apagar o fogo do fogão”, explica.

    Segundo o especialista, o diagnóstico precoce é a única forma de estabilizar e evitar a progressão rápida da doença. “O grande problema hoje é o diagnóstico tardio, que atrasa a instalação do tratamento e a resposta terapêutica”, observa. Ele destaca que a medicina tem avançado em várias frentes: “Os avanços são massivos, tanto do ponto de vista farmacológico quanto do não farmacológico, com dieta adequada, controle do sono, exercícios físicos, terapia cognitivo-comportamental e estimulação cognitiva’, enumera.

    No Maranhão, assim como em todo o país, a conscientização ainda é um desafio. “Ainda existe a percepção errada de que envelhecer significa ter problemas de memória, mas isso não é verdade. O envelhecimento não precisa vir acompanhado de perda cognitiva”, reforça o neurologista.
    Para Ana, cada dia é uma batalha entre a tristeza e o amor. “Ele foi meu herói quando eu era criança. Agora sou eu quem precisa ser a fortaleza dele”, diz, com os olhos marejados. “A gente aprende a valorizar cada momento de lucidez, porque não sabe quando ele vai, de novo, se perder de quem a gente é”, conta.

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